ARNALDO BOSON DO TRT-PI fala em ‘falseamento e manipulação do direito’ com greves no PI   Nos últimos dias, três greves foram consideradas ilegais, através de decisões do Tribunal de Justiça do Piauí: a greve dos médicos, a dos professores de Teresina e a greve dos agentes penitenciários.
  E foi justamente esta semana que uma voz importante do Direito Trabalhista piauiense se levantou para fazer críticas a essa postura do Poder Judiciário de reprimir os movimentos grevistas e as multas impostas aos sindicatos.   Através do artigo ‘Os tribunais e as greves’, publicado em jornais e no site da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), o desembargador Arnaldo Boson Paes procurou alertar à sociedade democrática para uma mudança de mentalidade em relação às greves, vista atualmente como ‘uma medida extrema, uma transgressão, um mal que deve ser evitado’.
Para o desembargador, essa visão está impedindo que os tribunais vejam as greves como um direito fundamental, uma construção coletiva de direitos. ‘Os tribunais ignoram que nas democracias a greve é, antes de tudo, um direito fundamental dos trabalhadores para a afirmação, a garantia e, sobretudo, a construção coletiva de direitos. Negam também que em uma sociedade aberta, plural e democrática, a construção e a reconstrução dos sentidos do direito e de sua efetividade, embora dependam também da atuação de órgãos públicos e entes privados, estão sujeitas especialmente à constante articulação de contrapoderes democráticos, políticos e sociais’, declarou Arnaldo Boson.
  A postura do desembargador é considerada por parte dos operadores do direito como ‘Ativismo Judicial’, uma postura criticada por magistrados mais conservadores.
  Para Arnaldo Boson, a repressão às greves está impedindo que por direitos possam ser construídos e efetivados. ‘A repressão às greves, que antes se fazia com o uso da força, inclusive policial, agora se dá por meio do falseamento do direito, da utilização arbitrária do processo e da manipulação dos tribunais’, declara.
CONFIRA O ARTIGO
Os tribunais e as greves


 Arnaldo Boson Paes
 Desembargador do TRT/PI
Diversos diagnósticos são realizados acerca da influência crescente que o Poder Judiciário exerce sobre a vida coletiva. O juiz francês Antoine Garapon, em Les Gardien des promesses, fala em “sociedade judicializada e despolitizada”, “democracia governada pelo direito”, “declínio da política e do crescimento do jurídico” e conclui que a “colonização do mundo pelo direito faz do Judiciário o último refúgio para a sociedade”.
Esse fenômeno indica que questões de grande repercussão social passaram a ser decididas pelos tribunais e nisso se inclui a judicialização das greves.
  Diante dos movimentos grevistas, governos, empresas e entidades patronais elegeram os tribunais como espaço de pressão para deslegitimar e pôr fim às lutas dos trabalhadores por reconhecimento e concretização de direitos. A repressão às greves, que antes se fazia com o uso da força, inclusive policial, agora se dá por meio do falseamento do direito, da utilização arbitrária do processo e da manipulação dos tribunais.
  Opera-se a transferência de conflitos sindicais para dentro dos tribunais, que passam a atuar como órgãos de asfixia de tensões sociais, políticas e jurídicas.
  As decisões dos tribunais indicam a formação de uma mentalidade que considera a greve recurso último, medida extrema, uma transgressão, um mal que deve ser evitado. Concessão de interditos proibitórios para impedir a mobilização, fixação de níveis mínimos de funcionamento de serviços essenciais, estabelecimento de multas pesadas contra sindicatos e grevistas, determinação de corte de ponto e desconto nos salários, decretação de ilegalidade e imposição de imediato retorno ao trabalho são medidas usualmente adotadas para enfraquecer e abortar o exercício do direito de greve.
   O resultado da migração dos conflitos coletivos do trabalho para dentro dos tribunais possui um efeito devastador. Os tribunais, ao invés de cumprirem o papel estratégico e fundamental de salvaguarda dos direitos e garantias e de limitação dos poderes públicos e privados, converteram-se em palco em que sobressai o lamentável espetáculo da negação e da repressão do direito de greve. Configura-se nessa atuação espécie de ativismo judicial às avessas, impedindo que por meio da greve direitos possam ser construídos e efetivados.
  Agindo assim, os tribunais ignoram que nas democracias a greve é, antes de tudo, um direito fundamental dos trabalhadores para a afirmação, a garantia e, sobretudo, a construção coletiva de direitos.Negam também que em uma sociedade aberta, plural e democrática, a construção e a reconstrução dos sentidos do direito e de sua efetividade, embora dependam também da atuação de órgãos públicos e entes privados, estão sujeitas especialmente à constante articulação de contrapoderes democráticos, políticos e sociais.    Nesse contexto, sendo os direitos resultados de práticas e dinâmicas de lutas, nas democracias a greve é o meio legítimo para alcançá-los, daí por que cabe aos tribunais o cumprimento do dever de proteção ao direito fundamental de greve dos trabalhadores, potencializando seu pleno e efetivo exercício e fortalecendo a própria negociação coletiva. Esta perspectiva, além de estimular o diálogo social, contribui para a construção de uma sociedade com mais democracia e melhores direitos.  

 Fonte: 180 Graus